Parabéns

Tenho que parabenizá-la, a garota bem que se esforçou, e pelo que percebi, ela nunca se esforçava, levava a vida no maior Deus-dará. Não que isso seja um defeito, me diz, pra que perder a cabeça com as coisas que simplesmente não são? Ficou meses sem nem ao menos tocar no nome do (in) feliz. Ouviu músicas sem se preocupar, andou por lugares sem olhar compulsivamente para os lados, tudo perfeitamente em seu lugar. (Ou pelo menos, no lugar em que menos doía.) Foi em um dia qualquer, desses que nós não nos esforçamos para descrever, se faz sol ou se choveu, pouco importa, que ela deparou com uma foto (dele). Encarou tão profundamente (e por tanto tempo) que teve a sensação que estava mais imóvel do que o dito cujo, que fazia uma pose com o celular na mão, blusa preta, lábios extremamente carnudos, gel no cabelo, mão direita no bolso, olhos sem definições corretas, pigmentação esverdeada, sobrancelhas perfeitas. Achou, do fundo de seu coração, que aquilo era o pecado mais viril que podia existir, ficar ali, apreciando tanto, aquela ausência de ser humano. E parecia se render ao inferno, por tanto querer. Não. Na verdade não fazia nada mais do que preces ilusórias para que tudo tivesse um fim, um final feliz não há conduzia, só um final seria delicioso.
Algumas três horas antes, eu a vi parada, em frente à porta principal de um centro de entretenimento. A suas mãos nem conseguiam achar o caminho do bolso, para repousarem. O sol queimava seu lado direito inteiro, e o esquerdo se arrepiava de tanto frio. Ficou durante não sei quanto tempo, olhava fixamente para o vazio em sua frente, e lhe crescia um bico. Imagino eu, que ela estava apenas reprisando alguns momentos em sua memória, e por isso, se fazia tão séria, já que ela não costumava ser séria. Notei que estranhamente, hoje, não havia doces por seus bolsos, ele a tirava inteiramente a fome (e tirava o animo, também).
E por fim, eu que tanto reparei na sua presença quase que morta, de tão desanimada, tenho que parabenizá-la. É preciso força para se enterrar dessa maneira, por algo que jamais se poderá saber se daria certo.
Me doí o corpo pensar na sensação que ela precisa carregar.
O que aconteceu?
O ar não foi suficiente?