Eu deveria ficar feliz por já ter dado dez horas, mas não, fiquei apenas quieta. No caminho pensava invariavelmente em nada. Aquela agonia estranha, que consome o corpo e a mente inteira, só sobrava espaço para cansar-me. Nem música, nem voz, nem cor, nem cheiro. Nada disso. Só um ponto de interrogação gritante em cada centímetro do meu corpo miúdo.
Lembro-me que ontem sentei no último banco do ônibus, cruzei as pernas, arrumei a boina e coloquei a bolsa sobre as pernas. Ao meu lado um casal de cerca de uns trinta anos. O rapaz segurava a cintura (cheia de curvas) da mulher ao seu lado. Ela olhava para frente, levantando a cabeça e conversando. No banco em frente ao deles, um rapaz de uns vinte anos, sentado sozinho com fones no ouvido, agarrado a sua mochila. E enfim, no banco em frente ao dele, outro casal (foi esse que me prendeu atenção!). A garota entrou primeiro (passou pela minha frente apressada) e sentou-se ao lado da janela, ele ao seu lado. Deveriam ter entre dezesseis, dezessete anos. Por aí. A menina eu não consegui reparar bem, de onde eu estava, só enxergava seus cabelos pretos amarrados num rabo de cavalo, ela parecia olhar pra frente, desdenhando (um pouco) o namoradinho que estava ao seu lado. Ele tinha mãos grandes, e as pernas maiores ainda, quase não conseguia arrumar-se naquele banco. Olhou pra ela o percurso inteiro, e inclinava a cabeça para o lado tentando convencê-la de algo, enquanto isso (tentava) acariciar sua mão. Quando eles desceram, ela estava com um semblante chato, e mesmo assim ele continuou (fielmente) ao seu lado, sem nem ao menos reparar que eu estava reparando (e muito) nos detalhes dele.
Só hoje fui lembrar-me deles, mas isso pouco importa, ainda estou agoniada.
(Aeronaves seguem pousando sem você desembarcar.)