Ônibus

Há tempos não pegava meu caderno de capa amarela, mas segunda-feira foi um dia tão estéril que eu precisava me distrair enquanto o motorista não partisse, me levando pra casa. Peguei o caderno amarelo e a minha caneta vermelha, e comecei a rabiscar (tenho anotado nele exatamente o que aconteceu, mas preferi usar minha imaginação pra descrever o momento, eu sempre prefiro) quando um rapaz de blusa moletom vermelha perguntou a senhora a minha frente se aquele ônibus era o que ele deveria estar. Perguntou a ela, mas sentou-se ao meu lado. Quando ele sentou, já me sugou do caderno me fazendo só notar seu perfume. Perfume esse que tinha o cheiro de lembrança, só não sei qual. Comecei então a descrever o rapaz no meu caderno, quando ele pegou o celular discou alguns números e:
-Tava dormindo? Desculpa, eu não queria te acordar, só liguei pra falar boa noite. Amanhã a gente se fala, beijão.
Nem me forcei a conter o sorriso largo, fiquei prestando atenção e descrevendo-o. Ele logo desligou, e eu fiquei rabiscando e pensando que a Isa, a Mari, ou até mesmo a Babi morreriam (atualmente) por um telefonema desses. Eu também!
Minutos depois o celular tocou, meu coração pulou para mão dele, eu só pensava: É ela, ela retornou a ligação, é ela. Ele estava mais calmo que eu, e atendeu. Falou alô algumas vezes, e desligou. Não era ninguém, ninguém que quis falar com ele pelo menos. Mesmo assim, continuei aflita, só o perfume dele que me acalmava.
O celular tocou novamente, e eu mal conseguia deixar meus pés no chão de tanta ansiedade. Ele se acomodou no banco, como quem sabe que a conversa será agradável. Enquanto isso o ônibus já dobrava a esquina que eu deveria descer, infelizmente claro! Enquanto eu arrumava minha bolsa para descer, ouvi:
-Desculpa, não queria ter te acordado. Volta a dormir. Não, é pra voltar a dormir amanhã você acorda cedo. (Pausa!) Então, sabe o que você faz? Vê televisão, televisão dá muito sono. (Outra pausa.) Então pega o fone e escuta música, música da muito sono. Você sabe que eu não fui aí porque você não quis...
Ele deu lugar e eu passei, levantei e deixei minha expectativa sentada ao lado dele, queria ouvir o resto da conversa. Levei somente seu cheiro, e a vontade de ouvir o telefone tocar.
Desci do ônibus e sai correndo, já era muito tarde. Quando cheguei em casa o telefone não tocou, mas tudo bem ainda escuto as palavras dele.
(Hoje: chato é quando você percebe que as coisas pequenas têm uma valor jamais visto antes. )