rascunho.

Quando entrei naquela sala escutei uma música que atravessava o corredor a me procurar. Era serena e suavemente me encontrou, em pé, como quem já sabe da bela visita. Chegou, olhou no fundo dos meus olhos (onde, infelizmente, descobriu minhas fraquezas) e andou em volta do meu corpo recém chegado. Me abraçou, e num convite sem palavras me fez sentar. Eu, encantada, mal conseguia notar o quanto ela crescia e se propagava no ar (o mesmo que me mantinha viva), como doía a altura que alcançava, e já adivinhando meu destino, fui. Decorei cada nota daquela boca enorme que me engolia e me mastigava. Cada verso daquela canção que desritmava meu coração (de eterno flerte). Cheguei até mesmo a me arriscar, entre passos inquietantes e mãos frouxas. Dancei conforme a música. Houve um momento que o barulho me enlouqueceu, se esfregou ferozmente no meu corpo (e em vários outros). Tirou meu sono, como um jingle qualquer, que mesmo contra nossa vontade não nos deixa, pelo contrário, se enche de nós. Algumas vezes odiei sua simplicidade universal, fazendo trilha sonora em qualquer figurante não-intencional. Se era para ser minha, que largasse, pelo menos por algumas horas, aquelas atrizes, com suas falas meramente decoradas, e não-sentidas. Mas sempre que decidia tampar os ouvidos, aquela tal música seduzia as pontinhas dos meus dedos. Perdi e venci cem mil batalhas contra minha emoção. Mas, com tempo (que foi pouco) a música foi perdendo a voz dentro e fora de mim, e era inútil meu suspiro alto. Assim como água fria no dia quente deslizou por todo meu corpo. Eu me agarrei a ela até o último instante, supliquei ao pé do ouvido que me falasse as promessas desafinadas de outrora. Como eu queria, e como eu tentei. A música esquentou meu corpo pela última vez, e como aquilo me comovia. Fechou a boca, se desfez no ar, e não pode mais voltar, pois virou palavra nunca dita, e memória mal cantada.
meu amor, não se atrase na volta, não.